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sábado, 4 de setembro de 2010

Diário de Bordo de uma Comissária (por mim, ainda incompleto)

Diário de Bordo de uma Comissária




São Paulo, 2 de setembro de 1998



O PRIMEIRO DIA



O dia tão esperado enfim chegou. A apresentação estava marcada para 11:04, decolagem, uma hora após. Cheguei bem cedo em Congonhas e fiquei esperando até umas vinte pras onze pra eu subir para o D.O (Departamento Operacional) da Ponte Aérea. Que nervoso pra abrir aquela porta! Fui recebida pelo funcionário do D.O, que vendo minha ansiedade, me tranqüilizou. Naquele dia seriam “quatro pernas” (Congonhas-Santos Dumont por duas vezes). Minha instrutora logo chegou e, junto com a tripulação, fomos para o avião, um 737. Fiquei na galley observando uma das comissárias trabalhar. Devido a uma mudança inesperada, a comissária estava suando, ofegante...o desespero e a pressa estavam estampados na cara dela. Eu só olhava, assustada. Além de tudo, ela ainda fazia o speech, de cor, parando constantemente pra respirar...lhe faltava o ar a todo instante. Uma coisa de louco. Ela havia sido sobrecarregada pela chefe de equipe, pois a função de fazer speeches é desta última...lhe faltava o inglês, porém.

Bem, o sufoco passou e, no dia seguinte eu tinha folga. Meu corpo inteiro doía. Naquele primeiro dia, levantei mala, subi e desci de ônibus, subi e desci escadas. Parecia que tinha levado uma surra. Nesse dia de folga, ainda fui dar três aulas.

Fiz quatro vôos na Ponte Aérea, além daquele primeiro. Estava de observadora porque havia vôos com 132 passageiros que exigiam uma agilidade fora do comum. Na Ponte, só fazia São Paulo – Rio e São Paulo – Brasília, identificados pelas siglas SAO – SDU e SAO – BSB. Em um desses vôos, eu estava na galley e a porta de um dos dois toaletes se abriu. Com um empurrão, fechei-a . Daí a um pouco, a porta abre de novo. Empurrei-a novamente. Olha só que chato: era um passageiro querendo sair. E o pior é que ele demorou pra tentar sair de novo. Acho que pensou que alguma coisa estranha estivesse acontecendo. Foi engraçado!









O PRIMEIRO POUSO NA CABINE E A PRIMEIRA AULA



O dia 10 de setembro foi meu penúltimo dia de instrução na Ponte. O comandante me convidou para pousar na cabine do 737-300. E nesse dia tive a chance de dar minha primeira aula de inglês no ar. Quando o comandante soube que sou professora de inglês, me pediu que eu o ajudasse com sua lição de casa. Um barato!



A PRIMEIRA VEZ QUE VI SANTOS LÁ DO ALTO



No dia seguinte, tinha gente importante no vôo. Era o Dr. Omar Fontana, presidente da Empresa, vindo do Rio para São Paulo. Nesse dia, pela primeira vez, consegui abrir e fechar a porta dianteira direita, famosa por ser pesada e difícil de operar. Nesse dia também pousei e decolei na cabine. Vi Santos, São Vicente e a baixada lá de cima, quando estava voltando do Rio para São Paulo...uma imagem que nunca me sai da memória. Pela primeira vez também, fiz demonstração de máscaras de oxigênio. Parecia que todos olhavam, mas o nervoso era desnecessário...naquele dia o jornal era mais importante.



CHAMADA ORAL E NOVA INSTRUÇÃO



Dia 14 de setembro foi dia de check no Setor de Ensino, uma espécie de chamada oral a respeito de tudo aprendido até então. Só ia para o vôo quem passasse em todo o processo.

Logo no dia seguinte, comecei nova instrução, desta vez na rota, pelo Brasil a fora. De início fiz GRU – VIX (Guarulhos – Vitória). Chegando no hotel em Vila Velha, ainda deu tempo pra andar de bicicleta pela ciclovia da avenida da praia. A aviação começava a me mostrar suas alegrias. No dia seguinte (VIX-GIG-CNF-BSB-BEL) Vitória, Rio, Confins(BH), Brasília e Belém. Na quinta-feira (BEL-MAO-BEL-SLZ-FOR) Belém, Manaus, Belém de novo, São Luiz e Fortaleza. Na sexta-feira, (FOR-BSB-GRU) Fortaleza, Brasília, Guarulhos.



“PENSA QUE SER COMISSÁRIA É SÓ ANDAR BONITINHA?”



Essa instrução teve suas dores. Um chefe de equipe idiota que a toda hora dizia “vai, vai, trabalha...pensa que ser comissária é só andar bonitinha?” E pela expressão do ignorante, não era brincadeira. Mas teve troco. Uma hora eu estava tentando abrir uma garrafa e ele veio me ajudar, dizendo: “Nesse vôo tem homem, não tem bicha”. Eu, sem hesitar disse:”É...pra carregar caixa não tinha...” Nada contra, mas mais tarde soube que ele era gay não assumido, por isso castigava as novatas. Outra hora, numa etapa final, quase chegando em Fortaleza, havia umas seis chamadas de passageiros e a tripulação me deixou “ralando” sozinha enquanto todos eles almoçavam. Para atender a todos os passageiros, fiquei sem almoço. Me senti tão injustiçada que fui para o banheiro chorar.Antes do pouso, fiz check de cabine com lágrimas nos olhos e nariz vermelho. Dane-se! Cheguei no hotel em Fortaleza, chorei mais um pouco, coloquei o biquíni, peguei minha câmera e saí sozinha. Cheguei a desabafar com um estranho, tamanha era minha indignação. Na Ponte Metálica da Praia de Iracema, assisti ao pôr-do-sol, tomei suco de cacau no “Babalu”, um bar à beira-mar. Naquela noite, não aceitei o convite da instrutora para sair com a tripulação.Claro que aquele chefe idiota iria. Aceitei a dica de tomar uma sopa no próprio hotel.



TRIPULANTES TÉCNICOS ARROGANTES

No dia do pernoite em Belém, o comandante e o segundo oficial eram pessoas super antipáticas, um verdadeiro nojo...daqueles que se conhece pelo olhar. Um tipinho desses que pilota avião, mas corre o risco de cair no meio-fio e bater as botas, sabe? Só ficaram com a gente até Fortaleza...saíram pela manhã, bem cedo e nós, só às 14h15. Bem feito! Faziam uma boa dupla pra irem pro inferno juntinhos. Quanto ao chefe medíocre, ignorei-o até o fim, sem nem mesmo me despedir com o tradicional e cínico “Obrigada pelo vôo”(Ah, como eu odiava falar isso às vezes!)



O PRESO



Numa das etapas pelo nordeste, fomos avisados que subiria um preso de alta periculosidade. Ai, meu Deus! Lá vem o homem algemado, com uma toalha laranja sobre as algemas e um policial de cada lado. Sentaram nas últimas poltronas, colocando o preso na janelinha. Houve serviço de bordo para os três. O rapaz da comissaria ficou indignado. Nunca andou de avião na vida e era um homem honesto. Eu tentei estimular, dizendo:”Não se incomode, meu senhor. A vida desonesta não compensa. Um dia o senhor vai realizar seu sonho.” Foi triste e cômico.

Na manhã do dia seguinte, acordei cedo, comi tapioca e fui conhecer a Praia do Futuro. Uma perua do hotel levava tripulantes de graça até a praia. Fui sozinha.





O AVIÃO POUSANDO...E EU EM PÉ



Em um desses momentos desse vôo de instrução, o avião estava em procedimento de descida e eu, ainda inexperiente, demorei pra checar a cabine. Adivinha o que aconteceu? O avião pousando e eu de pé no meio da passarela. Quando vi que não dava pra voltar pro meu assento lá na galley, não tive dúvidas: sentei numa poltrona de passageiro, coloquei o cinto e esperei. A instrutora veio me buscar, já com olhar de reprovação.

A volta, de 767, foi melhorzinha, apesar de só ter sido chamada para almoçar depois que toda a cabine o tinha feito. Quando consegui comer, parecia que era o primeiro almoço de toda a minha vida, de tanta fome que eu tinha passado. O comandante me convidou pra pousar na cabine do 767. Uma cabine enorme, que mais parecia um quarto. Dessa vez, os tripulantes técnicos eram simpáticos, e mais humildes.



O SOBREAVISO



Após esse vôo, fiquei em casa, esperando o que seria feito de mim. No dia 22, cumpri sobreaviso das 5 às 16h em Santos. Estava com o coração na mão, porque se me acionassem, estaria em maus lençóis. Impossível chegar em Guarulhos em noventa minutos (tempo máximo de chegada exigido após um tripulante em sobreaviso ser acionado). Graças a Deus, não me acionaram.

Em 23/9/98 fiz meu primeiro vôo solo. Fui de tripulante extra até o Rio e de lá assumi um vôo até Vitória. Vôo lotado, 45 minutos para fazer tudo. Um dos tripulantes me deu a maior força e fui elogiada pela tripulação (até que enfim...depois de tanta crítica!). Na volta (VIX – GIG – GRU / Vitória, Rio, Guarulhos) a chefe pediu pra eu fazer o speech em inglês. Nesse vôo, o co-piloto tocava bandolim e cantava pagode dentro da van que nos buscava no aeroporto.









A PERDA DO AVENTAL E DA IDENTIFICAÇÃO



Meu segundo vôo solo também foi bom e houve um comissário que me deu muita ajuda. Fazíamos o vôo 460 (Guarulhos-Curitiba-Foz do Iguaçu).

No domingo que se seguiu, fui pela primeira vez ao apartamento da R.Vieira de Moraes, onde eu ficaria quando não houvesse tempo de voltar para Santos.Estava de sobreaviso por dois dias e, no segundo dia, fui acionada para fazer um vôo na Ponte Aérea. Com a correria, esqueci meu avental e plaqueta de identificação dentro do avião. As ameaças eram tantas pra quem por um acaso perdesse algum item do uniforme, que fiquei muito nervosa. Naquela semana, prossegui com os vôos. Fiz um Rio-Curitiba-Porto Alegre-Guarulhos e, na volta, quando esperava o ônibus da Empresa , sentei ao lado de um senhor que de imediato perguntou meu nome e disse: “Você não estava no vôo de Brasília, segunda-feira?” Eu confirmei e ele disse então: “Seu avental e plaqueta estão no check out de Congonhas”. Agradeci muito a ele, afinal eu não precisaria justificar nada junto à chefia de comissários. Porque tudo é assim: respirou duas vezes a mais do que deveria, reporte à chefia.



ACHEI QUE ERA UM TÁXI



Minha apresentação estava marcada para 5h15 em Guarulhos. Um dia antes, fui dormir em São Paulo, acordei às 3h15 e às 4h15 chamei um táxi para ir até a passarela de Congonhas e pegar o ônibus da Empresa. Só que o táxi demoraria dez minutos. Resolvi ir a pé. Morri de medo. Chovia e ainda estava escuro. Cheguei pela porta de serviço do aeroporto e ela estava fechada. Entrei pela porta de serviço dos restaurantes. Peguei um elevador. A mala caiu. O porta-casaco escorregava toda hora. Não achava a saída. Luzes acesas, mas nenhuma alma viva pra me indicar uma saída. Eu suava, o porta-casaco caía, eu via que estava prestes a perder o único ônibus das 4h30 da manhã. Momentos de puro pânico. Ouvi barulho de água, me aproximei. Era alguém no vestiário: um rapaz. Me deu medo. Perguntei pela saída para a passarela. Não queria chegar à passarela pela avenida porque estava escuro. Queria chegar por dentro do aeroporto. O rapaz me respondeu que teria que descer e ir por fora mesmo, pela rua escura e fria. De novo, pego o elevador e corro desesperada de salto alto, mala, guarda-chuva e porta-casaco – que caía toda hora. Naquele caminho passavam carros, poucos, mas passavam. Me esquivava deles (não havia calçada) e puxava o porta-casaco irritante que caía mais uma vez. Que pesadelo! Avistei o ônibus da Empresa. Atrás dele parou um circular. Eu ainda estava longe. Vi um rapaz em frente a um carro e imaginei que ele fosse um taxista. Gritei para ele pedir para o ônibus esperar, porém ele não me entendia, mas mesmo assim fez parar o ônibus...o circular, não o da Empresa. Assim, 4h35 da manhã e eu via o ônibus da Empresa ir embora sem mim, rumo ao Aeroporto de Guarulhos. Pedi, então, ao suposto taxista, pra seguir aquele ônibus. Entreguei minha mala com porta-casaco e tudo. Percebi que ele se enrolou um pouco pra colocar tudo no porta-mala. Começou a perseguição ao ônibus, que àquela hora da madrugada, andava a mil. Não havia carros na avenida, sabe como é... Foi quando disse ao rapaz: “Moço, será que oito reais dá? É tudo que tenho em dinheiro, mas tenho cheque.” Pra meu espanto, ele me disse: “Não sou taxista, mas não vou te cobrar nada e vou te levar até lá.” Gelei, não sabia se sentia medo ou vergonha. De repente eu estava em um carro de um estranho, que não era taxista, estrada à fora, em São Paulo, em plena madrugada e com enormes chances de perder o vôo e o emprego. “Logo vi...você sentou aí atrás...O adesivo no meu carro é de campanha política, não de companhia de táxi”, explicava o rapaz pego de surpresa. Ele fazia campanha para uma candidata a deputada federal. Mas juro que até hoje não entendi o que ele fazia em frente ao Aeroporto de Congonhas, às 4h30 da manhã. Não tive chance de perguntar isso, só sei que ele foi enviado por Deus pra me tirar daquele pesadelo terrível. No dia seguinte fui à Igreja agradecer por toda proteção recebida.



CANCUN BATE-E-VOLTA SEM DESCANSO



No sábado seguinte, levei um susto da escala. Estava me arrumando pra sair, estava de folga, quando a escala ligou dizendo que eu ia pra Cancun. Um vôo horrível, direto, bate e volta, extremamente cansativo. Disse que não havia feito ainda instrução no 767 e, por isso, escapei, mas me pediram para eu ligar mais tarde. Estava no Guarujá quando liguei de novo. Eram 23 horas e a escala queria que eu estivesse em Guarulhos às 9 da manhã do dia seguinte. Acabou a diversão, pensei. Porém, consegui negociar uma reserva para as 15h45. Durante a reserva, ficamos no D.O (Departamento de Operações) à espera do que será feito de nós. Foi o que aconteceu nesse dia. Mala preparada pra ir “para onde só Deus sabe” e, fui acionada num vôo pra Belém.









ACIONADA PARA BELÉM



A tripulação era de vôo internacional, um pessoal muito gentil e dispostos a ajudar. Fiz bons colegas. Fiz um passeio em Belém e comprei algumas lembrancinhas. Na volta desse vôo, um homem estava fumando, de pé (naquela época ainda era permitido o fumo a bordo). Eu, de imediato, disse: “Senhor, não é permitido fumar de pé.” Ele atendeu com educação. O chefe de equipe então me disse: “Gostei do que você fez. Sabe quem é esse homem? É comandante da Empresa.” Mais tarde ele sentou-se com a gente na galley e me disse: “Você tem razão.” Eu pedi desculpas, é claro, mas deu vergonha.

No domingo das eleições, fui votar de uniforme e depois fui direto pro aeroporto. Nesse mesmo dia, peguei minha primeira escala. Começava minha instrução no 767, um avião bem maior, que a Empresa utilizava para vôos internacionais e nacionais também.



A QUASE DESPRESSURIZAÇÃO NO 737



No dia dez de outubro de 1998, parti para um vôo de cinco etapas. Na última etapa, Guarulhos-Florianópolis (GRU-FLN), a aeronave por pouco não despressurizou. Logo no início do serviço de bordo, começou um barulho como de assobio forte. Em seguida, veio a chefe e mandou que corrêssemos com o serviço porque estávamos prestes a ter uma despressurização. Os passageiros perceberam a correria. Recolhíamos tudo muito rápido e o barulho aumentava. Um passageiro chegou para mim e perguntou: “O que está acontecendo?” Eu disse: “Nada, não, senhor.” Ele quis confirmar: “Tem certeza? Por que vocês estão correndo tanto?” Tive que mentir, claro: “É que essa etapa é muito curta.” Ninguém podia falar a verdade. Mas pra falar sério, o avião estava pra despressurizar a qualquer momento. O ar seria como que “aspirado”. Terminado o serviço de bordo, sentamos na galley. O comissário ao meu lado, sabendo que era novata, me lembrava: “Assim que caírem as máscaras, puxe e coloque-as. Não espere...pode ser fatal.” A porta da cabine de comando foi aberta pelo comandante. Dizem que é pra ele ver quando as máscaras caem, se caem. O pior é que os passageiros ficavam observando qualquer movimento, atitude, olhar nosso. Terminado o vôo, tudo em paz, por fim o comandante explicou que a pressão interna diminuiu e a externa aumentou. Houve, na verdade, uma inversão. Disse também que o problema não era previsto e nem ele, nem o co-piloto nunca tinham lidado com tal situação. Felizmente, tudo acabou bem.



A TURBINA FALHOU...PÂNICO. CHOREI.



Alguns dias depois, dia 16 de outubro, estava no retorno de um vôo de três dias no 767, meu primeiro vôo em instrução, com uma instrutora diferente daquela primeira. Era o vôo 081 – Manaus-Brasília-Rio-Guarulhos (MAO-BSB-GIG-GRU). Saímos às 7h15, horário de Manaus e pousamos em Brasília. Na etapa Brasília – Rio, ouvimos três pancadas fortes no lado esquerdo do avião. Parecia a turbina engasgando. Eu estava em instrução na primeira classe, entregando uma refeição. A passageira olhou assustada e eu tentei ficar com “cara de paisagem”, como haviam me ensinado. Enquanto isso, o chefe corria para o cockpit. Em seguida, ouvimos de novo o barulho, só que do lado oposto. Que maravilha! Só faltava essa! O comandante mandou suspender o serviço de bordo e explicou aos passageiros o que havia acontecido. Era uma falha no stol de compressão, uma bomba de compressão na turbina. Comunicou também que pousaríamos em Belo Horizonte e não no Rio, por questões de segurança. A chefe de equipe reuniu o grupo e fez um briefing de emergência com relação à “abertura de saídas e observância de fogo externo”. Lembro-me bem das palavras: “Observem o pouso e se houver alguma anormalidade nesse momento, vejam se não há fogo, abram portas e inflem os slides.” Quando a chefe disse isso, eu estava ao lado da minha instrutora, ouvindo as instruções. Poderíamos ter um pouso de emergência. Assim que a chefe saiu, olhei para a instrutora e nos abraçamos. Comecei a chorar e vi lágrimas nos olhos dela. Ela tentava me acalmar: “Calma, não vai acontecer nada. Deus é brasileiro e voa nessa empresa. Nós estamos cientes do que está acontecendo, eles (os passageiros) não.” Comecei a achar que algo mais estava acontecendo e que era melhor eu nem saber. Tantas coisas se passaram na minha cabeça naquela hora. Pensei na minha mãe, na vida, em “onde eu tinha me metido” e dava ainda mais vontade de chorar. Chegou a hora de checar a cabine (verificar se os passageiros estão de cintos atados, com poltrona na vertical e sem fumar) e lá fui eu, com a mesma cara de paisagem...lágrimas quase secas. Sentamos. Aproximação final para pouso. Naquela hora eu perguntei pra minha instrutora: “Pra que lado eu corro primeiro?” A resposta foi: “Não vai acontecer nada. Fique sentada.” Mil pensamentos de novo. Imaginei que ficaria de pé gritando para os passageiros correrem pra mim, pularem slide abaixo...Ou será que pularia primeiro e largava essa vida de pousa-decola-pousa-decola-pousa de vez por todas?



JESUS CRISTO NOS SALVOU



Quantas coisas passaram pela minha cabeça naqueles instantes, segundos antes daquele pouso. Mas me firmei em Jesus, imaginei que Ele estava na cabine de comando, com as mãos estendidas sobre a cabeça do comandante, sobre cada tripulante, sobre cada um de nós. Confiava que Ele não ia deixar acontecer nada. Rezei um Pai-Nosso. Esperamos. O avião tocou no solo, normalmente, e graças a Deus, tudo foi normal.Senti, com muita emoção, gratidão a Deus pela imensa força naquele momento. Havia a bordo crianças, uma grávida, dois atores da Rede Globo (Julia Lemmertz e Alexandre Borges). Ao todo, 168 passageiros e 8 comissários, destes oito, duas em instrução: eu e uma colega de turma. Os passageiros tiveram que desembarcar em Belo Horizonte e foram remanejados para outros vôos. Ficamos aguardando a manutenção, a qual demorou muito. Não havia manutenção da Empresa em BH. Enquanto isso, eu andava pela cabine de passageiros, quando vi um colete salva-vidas sobre a poltrona. Passado o susto, até achei engraçado. Mas que susto! Às 18h45, pegamos um avião de outra Empresa e fomos de tripulantes extras para Guarulhos. A aeronave com problema ficou em BH. Mais tarde nos disseram que uma das turbinas teve que ter sido trocada. A Empresa deslocou uma aeronave da Ponte Aérea para ir buscar os passageiros em BH e continuar a viagem até o Rio. A minha programação para o dia seguinte foi cancelada. Caso contrário, teria que me apresentar de novo em Guarulhos às 6h30 da manhã.



ÁGUA QUENTE



Nesse vôo havia uma passageira na primeira classe (coreana, chinesa, não sei bem) que era uma “figura”. Quando eu perguntava o que ela queria beber, dizia: “água quente”, num inglês quase indecifrável. Não é que a mulher bebeu água quente durante todo o vôo??!!

Passageiro é tão folgado que uma vez eu estava andando pela cabine e um deles me parou. Ele fazia palavras cruzadas. “Moça, como se fala “quente” em espanhol?” Arrisquei, “caliente” e o chato agradeceu.



É PROIBIDO FUMAR A BORDO



No dia 21 de outubro de 1998, terminou minha instrução no 767. No dia seguinte, fiz um vôo de três dias no 737. No último dia desse vôo, chegou o comunicado da Justiça Federal proibindo o fumo a bordo em qualquer momento do vôo. Nesse dia, em Belém, tive que acordar às 24:45. A apresentação era às 2 da manhã. Voei direto até 11 da manhã.



O QUASE AFOGAMENTO



Meu vôo seguinte foi o primeiro solo no 767. Pernoites em Porto Alegre e Manaus. Correu tudo bem, não fosse meu quase afogamento na piscina do hotel em Manaus.Um comissário me salvou a tempo. Eu estava me segurando na borda da piscina, mas o sol e o calor fizeram eu me soltar. Comecei a engolir água. Um desespero. Pensaram que fosse brincadeira e, enquanto isso, eu engolia água. Serviu de lição. Passei a “matar” o tempo de outra forma. No mesmo hotel, em Manaus, podíamos usar a Internet de graça. Assim passava o tempo, de maneira bem mais segura que a anterior.





CATAPORA AOS 27 ANOS



No dia que cheguei desse vôo, às 23:59, resolvi dormir no D.O. Não havia como voltar pra Santos a uma hora daquela. Que desespero! Pernilongos mil no dormitório. Só pude voltar pra casa na manhã seguinte, num ônibus que dava mil voltas por Guarulhos. Estava toda picada, mas mesmo assim, naquele dia ainda fui dar aulas. No sábado, percebi que as “picadas” tinham pus. Fui ao Pronto Socorro. Era catapora. Devia ter sido contagiada no vôo. O ar que circula nos vôos é bastante impuro, pois circula e recircula várias vezes. Basta um espirro pra vírus invadirem o ambiente. Uma semana de atestado, eu, em treinamento... Corpo, rosto, tudo cheio de feridas. Avisei à escala que não poderia voar.













A MESQUINHARIA DA HIERARQUIA



Dia 15 de novembro, voltei a voar. Meio desanimada, com cólica, cobreiro visível na boca e um pouco triste com algumas decepções. Fiz um vôo para Goiânia, pela primeira vez. O que me aborrecia na aviação é a mesquinharia por hierarquia, antiguidade, as calúnias e a falta de compromisso das pessoas. Falta Deus. Quanta pouca humanidade! Ainda neste mesmo vôo, mas em outra fase, juntaram-se ao vôo mais dois comissários.Mudamos de avião, era um 767. Foi quando conheci uma comissária muito especial, com quem me identifiquei muito. Ela também havia feito Letras, lecionado, só que já voava há sete anos. Ela queria voltar a dar aulas. Falamos da necessidade que sentíamos de estudar, e de nos sentirmos rebaixadas às vezes. Ela mora em Brasília. Conversando com ela, compartilhando idéias, consegui me sentir melhor. Mas na volta a Guarulhos, ela foi pra Recife e eu pra Foz do Iguaçu.

Nessa etapa conheci um francês que abria o imenso mapa do Brasil em pleno vôo e pedia opiniões sobre as cidades. Havia também três comissários de uma empresa aérea alemã, um piloto e um co-piloto, todos a passeio.





A PASSAGEIRA SEM NOÇÃO

Houve uma hora, o avião quase pousando, levanta uma mulher gorda, baixinha, com a saia lá em cima, querendo entrar no banheiro. Eu, de pé, segurava o braço dela e dizia: “Não, senhora, a senhora não pode entrar no toalete agora...vamos pousar já!” Todo mundo ouvindo, olhando pra trás, e a mulher insistia: “Mas é rapidinho...” Eu dizia: “Não, não, a senhora pode se machucar, nós não podemos deixar.” O avião pousando...Ufa! A mulher voltou pro lugar dela...a saia lá em cima. O chefe fez um anúncio pra que ela sentasse. Após o pouso, lá vem ela de novo: “Agora pode?” No momento em que ela voltou, antes do pouso, um passageiro da última poltrona olhou para mim e disse: “É duro, não é?”









NÃO MEXA COM FILHOTES!



No dia em que estávamos em Goiânia, fomos ao Goiânia Shopping e, em frente, existe um lago cheio de patos e pedalinhos. Uma colega achou de tirar foto de um filhote-pato. Eu gritei: “Não se mete com o filhote que a mãe vem atrás!” Dito e feito...Só via a pata dando a maior corrida na Juliana. Eu também corria, ladeira acima. E a pata não sossegou enquanto a Juliana não ficasse bem longe.



CARTA DE ELOGIO...UFA!



Ainda em novembro, recebi uma carta de elogio, por bom atendimento a um passageiro. Ele não comia carne e na falta de frango para os passageiros, doei minha refeição.



O BERIMBAU



No dia 20, meu destino era Belém, mas resolveram mudar minha programação e me mandaram num vôo cheio de pousos para Florianópolis. Na volta desse vôo, embarcaram três moças e um rapaz alemães. O problema foi que uma das moças, uma loira alta, magra, de cabelos curtos, trazia um berimbau. Primeiro, ela não sabia nem o nome do objeto que ela trazia embrulhado. Segundo, ela queria pôr o berimbau nos pés, uma vez que não cabia no compartimento superior (bin). O chefe, que não falava inglês (aliás, ouvi falar que foi rebaixado do internacional justamente por isso),pediu ajuda. Depois de muita falação, o berimbau foi desembarcado e eu fui conversar com a moça, tentar explicar a situação. Ela estava quase chorando. Berimbaus são considerados armas a bordo e não podem ser transportados, de forma alguma, na cabine de passageiros. Fiquei sem saber se o berimbau chegou inteiro ou não.





BUENOS AIRES SEM SAIR DO AVIÃO



25/11/98 Embarquei num vôo para Buenos Aires. Fomos de 737. Eu era a única mulher na tripulação. Fui de auxiliar A, trabalhando na cabine da frente, fazendo speeches, anúncios de bordo. Mas eu não me sentia bem. Com as fortes mudanças de temperaturas, tinha uma forte dor de garganta, dores nas costas e nos olhos.Pensa que o pernoite foi em Buenos Aires? Não...em Porto Alegre!!!



TRISTEZA E SOLIDÃO. ANIVERSÁRIO DA LYARA

Tive que tomar remédio e, no dia seguinte, em Manaus, já me sentia bem. Só estava meio triste. Me sentia muito só. Nada para fazer, ninguém pra conversar. 26/11/1998,Aniversário da minha sobrinha,Lyara, e eu tão longe.Resolvi telefonar para ela de Manaus e diminuir a saudade.



IDA E VOLTA A SALVADOR EM UM DIA!



No sábado que se seguiu, uma amiga da Rio-Sul e eu fomos ao Wet’n Wild, um parque aquático em Salvador. Fomos e voltamos no mesmo dia, pois não tínhamos dinheiro para hospedagem. Foi uma loucura sair de São Paulo pela manhã, passar o dia em Salvador e chegar tarde da noite...gastando pouco!



MANAUS...DE NOVO



30 de novembro de 1998 e estou de novo em Manaus. Fiz um vôo terrível, das 3 da manhã até as 9 da manhã. Um horror! Peguei o ônibus da Empresa à meia-noite. O cansaço era tanto, que dormi no ônibus e o motorista teve que sair do volante pra me acordar. A apresentação em Guarulhos era às 2 da manhã. Quando cheguei no hotel, já às 9 da manhã, dormi das 9h30 às 15h30. Almocei, mas ainda estava em cacos. Só queria dormir, não conseguia fazer nada. Naquele mesmo dia fiquei sabendo que voaria no Natal e Ano Novo.





TRISTEZAS



Depois desse vôo, passei muito tempo sem escrever. Foi um período de muito sofrimento e, por isso me afastei do diário. Tristezas são pra serem esquecidas, desde que se tire delas uma lição e se tome uma atitude. Acho que aprendi um pouco pela dor, mas fico triste em saber que apesar de estar disposta a aprender, não quero sofrer mais.

Fevereiro de 1999 e só penso em sair da aviação. A Empresa não paga horas noturnas para a minha turma. Todos os outros comissários recebem; eu não. E o pior é que tenho voado noturno adoidado. Claro, mão-de-obra barata é assim mesmo. Já denunciei tudo isso ao sindicato, anonimamente, porém não tenho esperanças de justiça. Dizem por aqui que a justiça se vende a meras passagens grátis com a família. Hoje, assim como repetidas vezes no mês, saí de Manaus à 1 da manhã e cheguei em Guarulhos às 11. Até Santos, só Deus sabe quanto tempo mais levará. Quase 1 da tarde e eu no aeroporto, com fome, cansada e sem dormir, esperando o ônibus para Santos. Hoje, comparei meu holerith com o de uma outra comissária que recebe hora noturna. Ela voou quase o mesmo que eu e ganhou trezentos reais só de hora noturna.Estou me sentindo injustiçada, explorada. Afinal, a gente perde noites trabalhando pesado, fazendo tudo que os outros fazem e não ganha o mesmo.



O MEIO



Além de tudo, o meio é repugnante: os tripulantes falam muita imoralidade, piadas sujas. Até comandantes têm um vocabulário desprezível, sem o menor pudor de falar certas coisas na nossa frente. Poucas comissárias se dão o respeito. Acham tudo muito divertido. Eu sou sempre a “novinha”. Às vezes nem pelo nome nos chamam...é a “novinha”, a idiota que não sabe nada. È claro que fui treinada e conheço minha função, conheço bem os aviões, mas te nivelam por baixo, pelo tempo de casa, pela antiguidade. Só que antiguidade não segura avião no ar. Se aquilo lá cair, não sobre nem o nome. Quanta gente fútil e inútil. Ontem, no hotel em Manaus, eu chorava de saudades de casa, de Santos. Cansada, exausta, deitei e dormi chorando. Lembrava de como era feliz dando aulas, me sentindo útil e valorizada. E nunca deixei de viajar por isso. Conheci muitos lugares, de excursão em excursão, de prestação em prestação. Não me sentia injustiçada nem explorada. Algumas meninas da minha turma dizem que tudo isso não passa de uma poupança forçada e que um dia vamos receber tudo na justiça. Odiaria fazer isso, afinal, a Empresa me deu uma chance de emprego com 27 anos de idade, uma idade considerada “avançada” para entrar na aviação (outra ignorância da área).





SAUDADES DA SALA DE AULA

O que acontece é que eu já vivi o respeito que na minha profissão ainda existe. Me dá saudade entrar numa classe de adultos e ver os olhinhos deles brilharem, com vontade de aprender. Cada um com sua vida, sua profissão, mas com algo em comum interesse: aprender inglês. E minha missão era facilitar o aprendizado. Lembrando de tudo isso, muitas e muitas vezes tenho vontade de chorar. E olha que tenho lecionado até nas folgas! Me sinto sempre muito só, durmo e como muito mal, trabalho mais que todos. Neste mesmo vôo em que estou: entre uma escala e outra, eu fico na galley fazendo tudo (preparando até dois carrinhos no 737) e o resto da tripulação fica lá na frente fumando, conversando, lendo jornal...Ontem, sentia lágrimas nos olhos e me segurava pra não estragar a maquiagem.



PERNILONGOS EM FLORIANÓPOLIS



19.02.99 Estou em Florianópolis. O dia estava lindo, mas só consegui dormir às 3 da manhã. O quarto estava cheio de pernilongos. Dormi até meio-dia e meia, hora de me arrumar para a apresentação às 13h30. Sem tempo pra nada em Florianópolis.



“MORO COM O MEU MENINO”

Neste mesmo vôo, tem um comissário loiro, alto, forte que diz que mora com o “menino dele”. Achei que fosse um filho, mas pasmem:

não era. Olhando pra ele, dava até para enganar que fosse homem. Em uma escala em Guarulhos, saiu do vôo, pois sente dores nos braços. A galley sou eu, portanto, todo esforço de carregar caixas de bebidas tem sido meu, o tempo todo. Como dizem por aqui, “essa Coca-cola é Fanta”.



OLINDA, LINDA!



20.02.99, sábado. Até que esse vôo tem sido bom. Não deu pra fazer nada em Florianópolis, mas em Recife, sim. Peguei um ônibus (R$ 1,20) e fui sozinha para Olinda, a 50 minutos da capital.As camisetas foram para meus sobrinhos Tarsila e Henrique. Meu sobrinho Ercyo me encomendou uma camisa do Esporte Recife e a minha irmã Noreley, uma rede. Conheci muita coisa, tirei fotos, comprei as camisetas e na volta a Recife, almocei camarão na Praia de Boa Viagem. Estou em uma escala, em Fortaleza. Daqui a pouco, Salvador e Rio, já às 2 da manhã. Durmo no apartamento em São Paulo e pela manhã vou para Santos.



TENTANDO DEIXAR A EMPRESA



Enviei curriculum para British Airways, Varig e Rio-Sul. Na semana anterior, estive em três grandes escolas de São Paulo, mas ainda me custa, apesar de tudo, deixar a aviação. Apesar, também, de minhas mãos estarem irreconhecíveis: ressecadas, apesar do creme; as unhas quebram e a pele descasca. Efeitos da pressurização do avião e do trabalho pesado a bordo.

Fiz um vôo com aquele mesmo comandante da aeronave que deu problemas e quase tivemos um pouso de emergência, aquele da pane no 767. Conversamos sobre isso hoje no café-da-manhã. Ele lembrava de mim, “claro”. Sabia até que eu tinha chorado. Rimos muito.



FOLGA EM RECIFE



É março, estou de folga e marquei com uma amiga de irmos para Recife. Combinamos de nos encontrarmos em Congonhas entre 8h15 e 8h30. Cheguei pontualmente, mas os minutos foram passando e ela não apareceu. Andei por todo o aeroporto, sentei, olhada para todo lado. Liguei para ela, só a secretária eletrônica atendia. Que nervoso. A última chamada para o vôo...Eu tinha que tomar uma atitude. Pensei:”vou deixar de ir a Recife de graça, só porque terei que ir sozinha? Ah, essa não!” Resolvi embarcar, o avião fez escala em Campinas antes de chegar em Recife.



SOTEROPOLITANOS



Meu último vôo foi um de quatro dias para Salvador. Uma colega de turma e eu fomos jantar e dançar no “Lagoa Mar”.Achei que alguns soteropolitanos são bem abusadinhos! Em cinco minutos de conversa, um rapaz pegou na minha mão, pôs a mão no meu ombro...Tive que cantar aquela música: “Peraê...peraê...peraê...tá pensando o quê?”Êta baiano facinho! Passou telefone, endereço...um dia lhe mandei dois cartões-postais de Santos, mas ele não queria só amizade. Na manhã de domingo, fui conhecer a Praia de Itapuã e já no outro dia eu estava em Belo Horizonte, onde comprei tecido para a mãe fazer uma blusa para ela.







FAZENDA EM SABARÁ – MG

A convite do comandante, fomos almoçar em uma fazenda em Sabará. A comida caseira mineira foi especial e, acreditem, naquela fazenda, as galinhas dormiam nas árvores...muito bonitinhas. E assim, ficamos todos conversando, mineiros e paulistas, “cabô o mundo” pra cá, “trem” pra lá...Aquelas expressões do nosso Brasil tão especial. No retorno para BH, o nosso comandante bateu o carro em uma placa que estava no meio da estrada. Chovia e era noite. Estávamos, graças a Deus, a 60km por hora e só o carro ficou bem arranhado. O pior foi que o policial mandou parar, o nosso comandante mostrou sua carteira de motorista, de piloto, o policial as colocou no bolso e saiu correndo para socorrer vítimas de um acidente. Aí, “cabo o mundo!” Acontece que ninguém ali estava com a carteira de motorista...só eu! Ai, ai , ai...senti que a coisa iria pegar pro meu lado. Depois de umas duas horas de conversa, os documentos foram devolvidos, e nosso comandante saiu dirigindo...conseguimos voltar a BH.



“RABUTOU GLEIDI?” “WHAT?”



Um dia uma funcionária da SATA (empresa que faz a limpeza dos aviões) falou para um comissário: “Rabutou gleidi?”O comissário,surpreso, achou que a senhora estava exibindo um pouco do seu inglês...nunca se sabe! Ele respondeu:”What?” A mensagem cearense foi decifrada depois: “Rabutou gleidi” significa “Já botou Gleid?” Ela só queria saber se o comissário já tinha usado do “bom ar” no toalete...



O CAIXÃO



Uma vez um caixão embarcou com a sigla MCO (Miami), ao invés de MCZ (Maceió). Pois é... o morto era para ser velado em Maceió, mas fez uma viagem derradeira para os States (quem resistiria?).Só que, claro, foi detido pela imigração norte-americana...não tinha visto de entrada! Quanta burocracia!









PERDERAM O VELÓRIO



Também tem a história de uma família que ia para o nordeste velar a mãe de alguém. Só que o vôo chegou ao destino e eles, desinformados, não desceram. A próxima etapa era Miami. Os atentos passageiros só perceberam a confusão quando ouviram o comissário dizer o tempo de vôo. Chegando em Miami, sem passaporte, sem visto, sem nada, tiveram que voltar...deportados! E por não ter vôo para retornar ao Brasil no mesmo dia, passaram por Amsterdam, Viena e chegaram ao velório uma semana depois! Parece piada,não?





“EMBRUIU”



Já faz algum tempo que fiz um vôo para Belém e, para variar, claro, ouço um “psiu, psiu, psiu”(alguém despressurizando). Aquilo me dava uma raiva! Cheguei perto e disse: “Adriana, por favor.” A passageira ficou sem graça, e disse: “Tem um “imbruiu”?” Eu: “Como, senhora?” Ela: “Um imbruiu.” Eu: “Ah, um embrulho?” Ela tinha um copo na mão...acho que queria levar o copo. Respondi que não tínhamos embrulhos a bordo. A mulher, então, apontou para a menina ao seu lado...seria para a menina o tal do embrulho.Adivinha o que ela queria? Uma manta para se “embrulhar”, se cobrir...Pois é...fiquei devendo a fita, o laço e o durex. Isso a TransBrasil realmente não tinha a bordo.



SONHOS DE LEVAR A LYARA AO RIO

SONHOS DE FERNANDO DE NORONHA



Na ida sozinha para Recife, vinha pensando que não queria mais sair da aviação. Poxa,tem um lado bom que é fascinante. A passagem para Recife custaria (1998) R$ 665,00. Eu estava tendo um privilégio para poucos. Logo, logo, a mãe tem descontos e penso em levar a Lyara, minha sobrinha, para ver a Xuxa no Rio. Quem sabe? Porém, vivo cansada e, por duas vezes, tive passagens para Fernando de Noronha e não pude ir. O vôo precisa estar bastante vazio na volta. Caso não esteja, o comandante não tem obrigação de levar-nos de volta a Guarulhos e daí, é muito simples: demissão na chegada!







RECIFE A PASSEIO



Assim que cheguei em Recife, a passeio, recebi uma mensagem no celular da minha amiga atrasadinha. Ela estava vindo no vôo seguinte, às 11h. Fiquei no aeroporto esperando por ela e fiz amizade com umas funcionárias do posto de informações. Muito engraçado, elas diziam:”Você precisa ir ao Recife antigo, lá está cheio de “gatíu” (gatinho)...Um barato, “vici”?” Minha amiga chegou e fomos comer camarão no Recife antigo.



PORTO DE GALINHAS

Na manhã seguinte, fomos a Porto de Galinhas. Tal nome se deve ao fato de que, após a abolição da escravatura, os portugueses continuavam trazendo escravos ilegalmente para o Brasil. Para isso,na parte de baixo dos navios vinham os escravos. Na parte de cima, para “cobrir” a ilegalidade, colocavam galinhas. Para aquele local os escravos eram trazidos, após escolherem os de melhores dentes. Quanta crueldade! O lugar, porém, é um paraíso, uma benção de Deus.Ao se chegar, não impressiona muito (fica a 1km de van,vindo de Recife). A grande sensação é andar de jangada (na época, 1999, cinco reais por pessoa). Podemos ver as piscinas naturais extremamente azuis, que se formam onde não há pedras e podemos também mergulhar para ver os peixes. Aliás, os peixes são quase que indescritíveis. São alguns azuis, grandes e nos rondam o tempo todo, principalmente se você dá pão a eles. Ficamos até meio-dia na jangada,com um sol lindo. Almoçamos peixe num restaurante por ali e depois, voltamos para o hotel entre 13 e 14h e pegamos o vôo Varig de 15h30.

PORTO ALEGRE



Hoje é domingo, 7 de março de 1999, e eu estou aqui no hotel com o resto do dia sem nada para fazer. Assim que entrei no quarto, comecei a me sentir só,mas tentei esquecer a solidão. Afinal,estou com o sono atrasado por causa de repetidas noites de poucas horas de sono. Dormir, dormir e dormir e quando acordo, a solidão bate mais forte. Porém, acordar às 4h15 da manhã, pois a apresentação é às 5h30.





RECIFE NO DIA SEGUINTE



Encontrei uma amiga da Rio-Sul e juntas fomos ao restaurante Chica Pitanga, onde tem muito camarão. Depois, fui para Olinda pela segunda vez.



12 DE MARÇO DE 1999



Hoje é um dia daqueles. Fiz o vôo 926, no qual tive que me apresentar às 2 da manhã em Guarulhos e só chega em Manaus,após pingar muito, entre 8h30 e 9h da manhã. Chove muito e a programação é dormir. Nem todo dia é dia de Recife, Salvador...

Pedi uma sopa de legumes e aqui estou. Ontem foi dia de blackout no Brasil inteiro e eu naquela escuridão, na porta do aeroporto de Congonhas, esperando o ônibus para Guarulhos. O motorista ainda disse: “êta moça corajosa!”.

É interessante aprender que a aviação provoca altos e baixos na vida da gente. É claro que os altos são fascinantes. Nunca vou esquecer a imagem debaixo d’água daqueles peixes coloridos, azulões, que nadavam naquela água transparente daquele paraíso que é Porto de Galinhas. A sabedoria é, na verdade, administrar os “baixos”, a solidão inevitável e as pessoas sem Deus, de mal com o mundo. Orar dá muita força. Procuro conversar com Deus, choro orando, me emociono de alegria e tristeza.











O ARTISTA QUERIA SER RECONHECIDO



Hoje, no café da manhã em Manaus, estava o Neguinho da Beija-Flor. A princípio, não o reconheci. Mas ele olhava para todos,como que pedindo reconhecimento...que chato.



“PSIU, PSIU”



Hoje, no vôo, vindo para Manaus, ouço do outro lado da passarela o terrível “´psiu, psiu”. Desculpe, não deu para ignorar.Cheguei e disse: “Meu nome é Adriana (estava na placa!!!!!!!!), senhora.Pois não?” Ela queria aprender a tirar o cinto de segurança. Mas que “psiu,psiu” o quê? Parece que está despressurizando!

Nesse vôo houve bastante turbulência, o que desta vez passava bastante insegurança...uma sensação de montanha-russa.



NO APARTAMENTO EM SÃO PAULO



Naquela semana precisei muito ficar em São Paulo, pois tive muita “reserva”. Poderia ser acionada a qualquer momento e, estando em Santos, não chegaria a tempo. Foi bom porque uma amiga estava em São Paulo também e na primeira noite fomos comer pizza. Na segunda, ela fez janta para nós no apartamento que dividia com amigas.



VITÓRIA E VILA VELHA



Estou na volta de um vôo para Vitória. Passei o domingo em Vila Velha com uma comissária colega de turma. Fomos à praia e almoçamos moqueca de camarão...beleza!

Ao passar pelo Galeão, vi Vera Fischer com o então namorado dela (Floriano) e o Tony Bellotto dos Titãs, uma simpatia de pessoa. Saiu do vôo cumprimentando todos e com um sorriso no rosto.



BRASÍLIA E O AVIÃO COM VAZAMENTO DE COMBUSTÍVEL



Estou em Brasília, sem saber para onde vou. O destino era Manaus (como sempre!), mas ao chegarmos em Brasília (BSB), soubemos que o avião estava com vazamento de combustível. Desembarcaram todos, inclusive os tripulantes e o avião foi rebocado. Acordei às 2h45 da manhã para me apresentar em Guarulhos e pegar o Translitoral (ônibus que sai de Santos para os aeroportos em São Paulo) às 4 da manhã. Que dureza! Claro, estou morrendo de sono! Já sabemos que só podemos voar até as 18h. Como são 15h40,acho que não trabalho mais por hoje. Tomara!





GRIPE BRAVA



No último sábado, dia 28/3/99, na última etapa do vôo Buenos Aires – Porto Alegre, comecei a me sentir mal. A gargante doía demais. O chefe, Alexandre Batista, me deixou sentar e descansar. Ao chegar em Porto Alegre (POA), o chefe e eu fomos direto para o hospital. Eu tinha quase 40 graus de febre, dores pelo corpo inteiro, além da garganta que estava inflamada.Me deram duas garrafas de soro, três injeções, 1 voltarem e 3 Tylenol. E a febre não cedia...parecia que eu ia morrer. Ficamos no hospital das 19h30 até 23h, pois eu estava o tempo todo no soro. Por volta das 21h, como de costume, liguei para a mãe e disse:” Mãe,está tudo bem...não liguei antes porque fui jantar”. Como podia dizer a verdade? Meu namorado na época me telefonou e já sabia do que tinha acontecido. Ele havia ligado por duas vezes para o hotel e disseram a ele que eu tinha sido hospitalizada, mas não sabiam o porquê nem onde eu estava.Claro que ele pensou o pior...acidente aéreo. Pela manhã, acordei com gosto de água do mar na boca...de tanto soro. Voltei de “extra” (como passageira) para Guarulhos e aquele meu namorado foi me buscar. Ele esperou do meio-dia até 15h45, quando o vôo finalmente chegou. Almoçamos e ele me levou ao Hospital Ana Costa, em Santos. Graças a Deus o médico me tirou do vôo horroroso para Manaus, me receitou Amoxil e me deu dois dias para eu me recuperar.





BRASÍLIA SEM DESTINO



São 16h e não sei o que vão fazer de nós...tudo depende da escala.Sentados no aeroporto e sem destino! Queria retornar para São Paulo, pois estou com saudades. Decidiram nos mandar para o hotel em Brasília mesmo. Resolvi que iria tirar o melhor disso. Tirei o uniforme, peguei um táxi e fui ver o pôr-do-sol e a lua imensa e clara perto da Catedral de Brasília. Uma construção linda! Entrei, orei, vi os anjos no teto e comprei cartões. Depois, andei até o Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). No caminho, passei por vários ministérios. Na Câmara, já havia se encerrado o expediente, mas eu pude conhecer o Salão Verde (onde os deputados dão entrevistas) e, como havia ainda um segurança na Câmara, pedi para entrar e ele tirou fotos de mim. As galerias (onde ficam as pessoas para assistir às votações) foram cobertas por vidros...medidas pós-impeachment...quem deve teme, não é?

Foi naquela sala grande que o impeachment contra o Collor foi decidido. Na TV parece que o lugar é bem maior. Não é tanto, apesar do funcionário ter me dito que cabem por volta de 400 deputados ali.Na volta, quis pegar um táxi, mas os táxis comuns são caros demais. Saí pela lateral do Congresso, passei pela frente do “lago” e confesso que fiquei com medo, pois já era noite e não havia quase ninguém por ali. Pedi informação a um rapaz que saía do Congresso. Ele tinha um crachá da Revista Época. Gentil, me ofereceu carona...Eu olhei meio assim, tive medo. Ele percebeu , me mostrou o crachá e se identificou como motorista da revista. O moço parecia mesmo ser de respeito (ai, meu Deus!). O carro também era da Revista...o que poderia não melhorar em nada, mas enfim, era ficar ali ou arriscar.

Generoso,ele ainda passou pelo Palácio da Alvorada para me mostrar a rampa que o presidente sobe e o escritório onde despacha. À medida que passávamos pelos prédios, ele me explicava o que eram. Então ele me deixou no shopping próximo do hotel. Agradeci a gentileza e respeito.

No shopping, fui jantar. Comi filé de salmão pela primeira vez! Quem estava tocando lá naquela noite, era o pianista Arthur Moreira Lima. Na verdade, ele estava no nosso vôo quando chegamos a Brasília.

Mais tarde, nosso chefe avisou que sairíamos de Brasília às 3h30 da manhã e, assim, mais uma vez acordei às 2h30. São 6h30 e estou em Guarulhos à espera do ônibus para Santos. Só que o ônibus não apareceu e tive que me virar.Só pisei em casa às 11 da manhã, tendo ousado às 5h30. É mole?

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